A gola
de Rufos
De barroco e de louco todos temos um pouco. Que o diga, no seu silêncio engomado, a gola de rufos. A uma gola tão contorcida e austera foi, em tempos, exigido que abrigasse migalhas e outros restos de banquetes aristocráticos. Umas lascas de frango, uns pingos de mel... Sujava-se a gola para não se sujar o vestido. Não é, pois, de admirar que uma gola tratada como babete tivesse sede de revolta e de vingança. Tanto armou os seus rufos na luta pelo estatuto justo que depressa esta gola se deixou tentar pela loucura da ambição: de babete passou, então, a colete de forças, capaz de manter empedernida a postura de quem com ela cobrisse a goela. Deste modo se instalou peremptória em nobres pescoços, avessos a movimentos largos e tarefas árduas. Por cima de rufos, espreitaram também os olhos de poderosos, uns mais loucos, outros mais barrocos: D. Sebastião, o Desejado, de quem ainda esperamos avistar a gola, nem que seja apenas um rufo dissipando o nevoeiro; Catarina de Médicis, que tudo terá dado e tudo terá perdido, excepto a gola; Isabel I de Inglaterra, que fez subir a gola atrás do pescoço deixando-o descoberto à frente. É esta, aliás, a geografia da gola: o pescoço, elo entre a cabeça e o coração. Cobri-lo será protegê-lo, de intempéries e cobiça, por exemplo. Poderá também ser apenas um modo de o enfeitar, de o vincular à moda, de lhe relembrar os códigos que o distinguem. Que seja, pois, barroca a gola, nas gargantas de gigantes e heróis, mas que não seja nunca demasiado louca, louca a ponto de sufocar pescoços, de os separar do corpo a que pertencem, restando apenas uma cabeça sem coração a que se agarrar. Custa imaginar como um Vasco da Gama ou um Pedro Álvares Cabral terão ampliado tanto os horizontes com golas de tamanho aperto. Custa imaginar como um Camões a terá usado, ou um Cervantes, que jeito lhes daria uma gola assim, sempre a tapar-lhes as vistas para os papéis onde imortalizaram poemas e narrativas, quantas vezes terão sido obrigados a lavar as suas golas cobertas de nódoas de tinta... Ilustrador João Fazenda Texto Inês Fonseca Santos

A Gola de Rufos

"A Gola de Rufos" uma imponente jarra em faiança, ornamentada com uma gola em burel, inspirada no modelo de rufos do séc. XVI e feita à mão por uma artesã portuguesa.

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